Viradouro divulga sinopse e logo oficial 2015

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Viradouro divulga sinopse e logo oficial 2015

 LOGO OFICIAL VIRADOURO 2015

G.R.E.S.UNIDOS DO VIRADOURO – CARNAVAL 2015

PRESIDENTE: GUSTTAVO CLARÃO

ENREDO: “NAS VEIAS DO BRASIL, É A VIRADOURO EM UM DIA DE GRAÇA!”

AUTOR DA SINOPSE: MILTON CUNHA (A PARTIR DE DUAS MÚSICAS DE LUIZ CARLOS DA VILA, “NAS VEIAS DO BRASIL” E “POR UM DIA DE GRAÇA”)

AUTOR DA JUSTIFICATIVA: SILVIO JOSÉ ALBUQUERQUE E SILVA, DIPLOMATA BRASILEIRO

CARNAVALESCO: JOÃO VITOR ARAÚJO

SINOPSE

E se não fossem os negros? Por certo, o Brasil seria outro…

Este enredo para o desfile da unidos do Viradouro 2105 é baseado em dois sambas

De autoria do imortal poeta negro Luiz Carlos da Vila,

Ele próprio, Luiz Carlos, um exemplo clássico da perspicácia e sabedoria populares sofisticadas

Que nos restaram como sagrada herança desse ébano vitorioso.

Canta, então, a Viradouro seu elogio

Aos valores da inteligência transcendental dos povos vindos d’África,

Valores esses que culminaram por estruturar a nossa alma verde-amarela.

Tomando o Brasil como vibrante corpo miscigenado,

Aceitamos a tese afirmada nas canções

De que nas veias da pátria-mãe gentil circulam os pilares da venturosa negritude;

Foi incansável sobrevivência, sempre trocando gás carbônico por oxigênio,

Em asfixiante agonia que não a matou jamais!

Nossa procissão cultiva as sementes da felicidade,

Desabrochadas em emocional vascularização da esperança

A influência espiritual ramificada ao extremo da nossa sistêmica nação,

Que foi se adaptando em destemida corrente

E fez o brasileiro catar e juntar em si

O que foi espalhado com sabedoria: as qualidades do além-mar!

Navegando sobre as ondas do tal pensamento luminoso que enovelam o artista,

E desembarcando nas tabas ameríndias,

O brilhante legado criativo junta atabaque ao cocar;

Faz simbiose entre o pajé e o griot: flechas e altares!

Tupis, bantos, guaranis e yorubás testemunhando tupã abraçar oxalá.

É no tempo encantado da singular sagração terra brasilis,

Quando enraizamos nosso particular baobá.

Somos esta corporificação híbrida, uma organicidade única,

Onde palmas de mão musicalizam palmos de chão.

Somos da linhagem abençoada dos guerreiros que raiam com a liberdade.

Um povo de alma negra

Porque amamentado na sala da casa grande pelo leite que da senzala vinha.

Saudável pela força das mãos de cura do preto velho

A balançar misteriosas palavras de preciosos poderes.

No fogão da mãe baiana, em espiritual culinária,

Refazemos diariamente os laços culturais temperados pela magia dos ritmos,

Paridos em fogoso carnaval…o samba atesta o nosso triunfo!

Viradouro brada atitude e muda a estratégia da camélia abolicionista:

É mediadora na superação do ressentimento,

Ao assumir na escolha das obras do excepcional sambista

A beleza de ser miscigenado,

O que transformou o Brasil em terra que nunca anda só.

A vitória é a reconciliação; a ousadia é viver em paz!

JUSTIFICATIVA DO ENREDO

“São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem, simples, fortes, bravos.

Hoje, míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão.”[1]

Nenhum país das Américas valeu-se da mão de obra escrava para a produção em escala tão expressiva como o Brasil. Ao longo de três séculos, do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados da África e desembarcados vivos no continente americano, 44% foram destinados ao Brasil. O País foi não apenas o que mais recebeu africanos, mas também o que manteve a escravidão por período mais extenso na história moderna do Ocidente.[2]

Nos primeiros contatos dos europeus com a África, no início da era colonial, não predominava neles a impressão de que entravam em contato com povos atrasados ou primitivos. Mesmo os detratores dos africanos não escondiam o seu fascínio com a África. Um visitante holandês de princípios do século XVII expôs sua admiração por Benim, cidade do Reino do Ouro da Guiné, cortada por “uma rua grande, larga e não pavimentada, que parece ser não menos do que sete ou oito vezes mais larga” do que a principal rua de Amsterdam.[3]

O escritor nigeriano Wole Soyinka lembra que a África possui algo que a distingue fundamentalmente das Américas: trata-se de um continente que não foi “descoberto”. Seu nome não está vinculado a nenhum descobridor, aventureiro ou nação desbravadora. Gregos, fenícios, árabes, judeus desbravaram o continente desde milênios, estreitando relações comerciais, políticas e culturais com os povos e reinos africanos.[4] E encontraram impérios centralizados, confederações tribais, cidades com ricos mercados de ouro, especiarias, marfim, sal e escravos.

Nossos antepassados africanos originaram-se majoritariamente de Angola e da Costa da Mina[5], com destaque para o Golfo do Benim (Porto de Ajudá). De Angola veio a maioria dos africanos. Entre 1723 e 1771, o tráfico humano proveniente de Angola destinou-se principalmente ao Rio de Janeiro, que recebeu 51% dos cativos, enquanto coube à Bahia 27,3% e a Pernambuco 18,2%. Pelo bem da precisão histórica, no entanto, cabe assinalar que os africanos traficados provieram de várias origens, o que torna legítimo afirmar que o Brasil abrigou várias Áfricas.

            Eram numerosas as religiões africanas tradicionais. Cada povo tinha a sua, com seus deuses, crenças e rituais próprios. Em quase toda a África, cultuavam-se os ancestrais, com o objetivo de preservar a harmonia entre o mundo dos vivos e dos mortos. Aos vivos, com seus sacrifícios, cabia fortalecer o poder dos que os precederam. Evitava-se opor o mundo natural ao sobrenatural.

            Arrancados de suas terras e de seus parentes e amigos, os africanos carregaram seus deuses e suas crenças com eles para o novo continente. Batizados à força nos portos de embarque, os cativos inicialmente guardavam seus deuses no coração. Porém, aos poucos, um jogo de negociações, trocas e incorporações conduziu à progressiva adaptação das crenças e dos costumes africanos ao catolicismo.

            Bom exemplo nesse sentido foi um calundu dirigido por Veríssima, preta forra residente no Rio de Janeiro, que costumava organizar cultos africanos, provavelmente à sombra de um baobá[6], ao som de batuques. O mesmo poderia ser dito das “bolsas de mandinga”, originadas no norte da África, que tanto podiam proteger contra os males da vida quanto fechar os corpos ou trazer de volta os amores perdidos. O historiador Ronaldo Vainfas considera um simplismo caracterizar manifestações como essas, típicas do sincretismo afro-brasileiro, como formas de resistência. Para ele, eram antes resultado de um “intercurso cultural de diversos continentes”.[7] De toda forma, essas manifestações sincréticas não deixavam de expressar uma boa dose de criatividade da parte dos africanos escravizados ou negros libertos na expressão de uma dimensão de suas crenças ou de seu lugar no mundo dos brancos.

            Gilberto Freyre defendia que o brasileiro é negro nas suas expressões mais sinceras. Nessa lógica, para caracterizar o patrimônio afro-brasileiro bastaria excluir “o que em nós é só pose ou imitação”.[8]

            Por circunstâncias geradas pela escravidão, o negro acabaria contribuindo com curas para os males do corpo do senhor e do seu irmão escravo, e até mesmo ensinando o português aos brasileiros, adocicando a língua dura, gutural, cheia de percussões surdas, trazida pelo colonizador. O português do Brasil lograria estabilizar as vogais, permitindo que as sílabas se alongassem, “como uma orquestra em que se ouvem as cordas e os sopros”.[9]

Gilberto Freyre conta que a ama negra fez com as palavras “o mesmo que fez com a comida – machucou-as, tirou-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles”.[10] Foi a ama negra quem fez com que as palavras do português falado no Brasil só faltassem desmanchar na boca.[11]

            A ama preta foi figura central na formação social e cultural da família brasileira até fins do século XIX. Luiz Felipe de Alencastro revelou que o uso das amas de leite foi bastante comum na Colônia e no Império. Citou um articulista de jornal carioca que, em 1845, afirmou que não se encontrariam no Império “cinco mães que, pertencendo à classe elevada, aleitem seus filhinhos… não se encontrarão dez na classe média .. não será coisa mais fácil apontar vinte na classe baixa”.[12] O historiador assinalou que as mucamas[13] em período pré-natal eram alugadas por senhores de escravos, tornando tal atividade econômica importante nas cidades.

            Apesar da oposição de fachada de parte de nossa elite às amas de leite, o leite da mãe preta alimentou por três séculos o sinhozinho, influenciando decisivamente seus primeiros anos de vida. Este passaria a ter nela a influência maior no falar, no rezar, no cantar, imitando seus costumes e hábitos. Muitas vezes à custa do cuidado com o próprio filho, por imposição da lógica perversa escravocrata, a ama de leite acabou por fornecer ao nhonhozinho doses expressivas de carinho, além de valores éticos e morais essenciais para sua inserção na sociedade.

            Assumir integralmente a riqueza da contribuição do negro para a formação da diversidade que caracteriza a formação social brasileira é uma necessidade premente para que o brasil seja muito mais Brasil.

A recusa em assumir essa negritude tão autenticamente brasileira faz com que se abra mão de compreender e aceitar parcela substantiva de nós mesmos. Esse exercício de autorreconhecimento requer o combate sem tréguas ao “racismo à brasileira”, que, na visão de Roberto DaMatta, “torna a injustiça algo tolerável, e a diferença, uma questão de tempo e amor”.[14]

Mestiços na carne e no espírito, somos ainda hoje um povo “na dura busca do seu destino”.[15] Nesse processo, poucas manifestações culturais se prestam, como o carnaval e o samba, que correm “nas veias dessa pátria-mãe gentil”, para recordar Luiz Carlos da Vila e tantos outros homens e mulheres negros[16] cuja trajetória de vida enriquece nossa história e representa traço definidor da identidade brasileira.

[1] Castro Alves, “Navio Negreiro”.

[2] O historiador Luiz Felipe de Alencastro faz referência a Niterói para revelar a dimensão da presença escrava em algumas cidades ou municípios brasileiros. Assinala que, em 1833, quatro quintos da população de Niterói era composta por escravos. Alencastro, Luiz Felipe de, “Vida Privada e Ordem Privada no Império”, História da Vida Privada no Brasil, Volume 2, Companhia da Letras, 1997, p. 28.

[3] O holandês em questão é Dierick Ruiters. Seu relato, publicado em obra de 1623, foi reproduzido pelo africanista Alberto da Costa e Silva em Imagens da África, Companhia das Letras, 2012, p. 176.

[4] Soyinka, Wole, Of Africa, Yale University Press, 2012, p. 27.

[5] A Costa da Mina equivale mais ou menos aos atuais Gana, Togo, Benim e Nigéria. Essa era a região dos reinos, cidades-estados e aldeias dos povos acãs, fantes, axantes, daomeanos, benis, oiós e iorubanos em geral, que se relacionavam com os hauçás, baribas e mandingas, que viviam no interior do continente.

[6]Baobás são um gênero de árvore com oito espécies, uma delas de origem africana. No Brasil existem poucas árvores de baobá, que teriam sido trazidas por sacerdotes africanos e plantadas em locais específicos para o culto das religiões africanas. No candomblé é considerada uma árvore sagrada (ossê, em iorubá e akpassatin, em fon) e nunca deve ser cortada ou arrancada. A maior concentração de baobás do Brasil estaria no Rio de Janeiro (5 exemplares em 100m²). No Parque da República, em frente à Central do Brasil, haveria nove exemplares.

[7] Vainfas, Ronaldo, “Sincretismo nosso de cada dia”, Revista de História, Biblioteca Nacional, Ano 9, Número 100, janeiro de 2014.

[8] Dos Santos, Joel Rufino, “Culturas Negras, Civilização Brasileira”, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Número 25, 1997, p. 5.

[9] Definição metafórica de José Miguel Wisnik. In, Canelas, Lucinda, “É na canção popular brasileira que melhor se vê a libido da língua portuguesa”, 30/1/2014. Disponível em: [http://www.publico.pt/cultura/noticia/e-na-cancao-popular-brasileira-que-melhor-se-ve-a-libido-da-lingua-portuguesa-1621591]

[10] Freyre, Gilberto, apudDos Santos, Joel Rufino, op. cit.

[11] Gilberto Freyre percebeu que a linguagem infantil brasileira tem um “sabor quase africano”: cacá, pipi, bumbum, neném, tatá, papá, papato, lili, mimi, miau, babanho, cocô, dindinho. Para Freyre, “Esse amolecimento da língua se deu em grande parte pela ação da ama negra junto à criança; do escravo preto junto ao filho do senhor branco”. Extraordinária também a transformação (amaciamento) sofrida pelos nomes próprios: Antônias viravam Toninhas, Totonhas; as Teresas, Tetês; os Manuéis, Zezinhos, Manés, Mandus; os Franciscos, Chico, Chiquinho, Chicó. Convém não ignorar, no entanto, que as línguas indígenas também influenciaram nossa fala. Prova disso está no dicionário: dos cerca de 228 mil verbetes que o Houaisscontém, aproximadamente 45 mil são palavras de origem indígena. A título exemplificativo, basta recordar as origens de nomes como Niterói (baía sinuosa), Icaraí (água clara) e Guanabara (baía semelhante a um rio).

[12] Alencastro, Luiz Felipe de, op. cit. p. 63.

[13]Mukama, em quimbundo, era expressão usada para definir os escravos domésticos de ambos os sexos, cativos do povo ambundo nas aldeias nativas de Angola. Para Alencastro, “O uso exclusivamente feminino do substantivo na Colônia e no Império demonstra a especialização econômica da mulher cativa no trabalho doméstico e no aleitamento dos filhos dos senhores”. Ibidem.

[14] DaMatta, Roberto, O que faz o brasil, Brasil, Editora Rocco, 1986, p. 47.

[15] Ribeiro, Darcy, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, Companhia das Letras, 1995. p. 453.

[16]Aleijadinho, Mestre Valentim, Emanuel Araújo, Arthur Bispo do Rosário, Lima Barreto, Machado de Assis, Manoel Querino, Juliano Moreira, Milton Santos, João Cândido, Luiz Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, Xica da Silva, Abdias do Nascimento, José Bernardo da Silva, Joel Rufino dos Santos, Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Nei Lopes, Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, Alcione, Ruth de Souza, Zezé Mota, Lázaro Ramos, Barbosa, Zizinho, Didi, Pelé, Mestre Didi, Mãe Menininha, Mãe Stella, Joaquim Barbosa.

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Monica Marinho
Assessoria de Imprensa
G.R.E.S. Unidos do Viradouro


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